Solteirices
Quantas vezes ouvimos a velha máxima “mais vale só que mal acompanhado”. Garantidamente eu própria fiz esta afirmação mais do que uma vez. Mas pergunto-me se não é simplesmente o caminho mais fácil. Contornamos a solidão, preenchemos espaços vazios e evitamos que alguém entre na nossa vida. Sei o que é estar só, sei o que é a solidão a dois. E sei o que é partilhar uma vida, uma casa, um tecto. E seguramente a partilha é a que dá mais trabalho, cansa, exige investimento. Desengane-se quem pensa que uma relação se mantém por si só.
A sociedade instituiu um percurso de vida, dito normal, o estudar, namorar, casar e procriar, e à medida que os anos passam, a própria sociedade cobra cada vez mais qualquer uma dessas etapas, incutindo em nós, mesmo com outro tipo de objectivos definidos, a urgência de uma relação. A idade avança e a possibilidade de casar fica mais longe, e a de ter filhos (principalmente no caso das mulheres) nem se fala.
E a questão começa a repetir-se com mais frequência do que deveria. Porque estou sozinha(o)? É opção? Não há ninguém que me preencha? Onde está o mal? E eu questiono-me se será mesmo uma opção. Custa-me a crer que aos quarenta, ou mesmo depois dos trinta, alguém sonhe com um futuro, mesmo que longínquo, com objectivos cumpridos e projectos definidos, e que não se imagine a partilhá-los com alguém. Somos seres sociais, e como tal necessitamos de uma rede de apoio onde existam laços emocionais, laços esses que quanto mais próximos, maior sensação de bem-estar, segurança e satisfação, proporcionam.
Claro que não existe receita que possa ser prescrita para se encontrar aquele alguém que poderá partilhar uma vida connosco, mas talvez o caminho mais fácil para tal seja perceber o porquê de estar sozinha(o). E pode ser um milhão de razões. Comecemos pelas relações anteriores. São muitas as pessoas que estão sozinhas porque saíram severamente lesadas de uma relação que terminou há um milhão de anos luz, mas mesmo assim, as feridas, os traumas, principalmente que o fim dessa relação deixou, fecharam portas. E quanto mais tempo essas portas permanecerem mais difícil será deixar entrar alguém que nos agrade e nos preencha. Tornamo-nos demasiado exigentes e até picuinhas, e em três tempos todos os defeitos do outro são intransponíveis, e transformam-se num chorrilho de queixumes e lamentações. Do outro lado temos os românticos, os dos contos de fadas, que se iludem com as borboletas e sonham com o par perfeito, criando uma imagem do relacionamento, idealizando e projectando no outro o que sonharam. Mas obviamente ninguém é perfeito, tão pouco as relações o são, e as expectativas, demasiado elevadas, rapidamente se tornam numa avalanche de desilusões. E quando são pessoas isoladas? Não que sejam necessariamente solitárias, muitas vezes não o são, até porque raramente estão sós. Rodeiam-se de amigos e família, não conseguindo equilibrar o tempo e o espaço para alguém entrar. Tudo e todos são prioridade antes de qualquer parceiro.
São muitas as pessoas que não estão preparadas emocionalmente para partilhar uma vida com alguém. O medo da entrega, do compromisso, de criar vínculos, apresenta-se quase que como uma barreira invisível a quem quer que se tente aproximar. Há quem diga que nos tornámos excessivamente intolerantes e que por isso as relações são efémeras. Mas não creio que haja necessidade de tolerância, até porque não me agrada a ideia de tolerar alguém. Tolerar é apenas calarmo-nos perante algo que não queremos ou não gostamos, quase que contrariados. Julgo que o mais importante é saber aceitar. Aceitar é assumir as diferenças, é dar voz ao respeito pelo outro e lugar à compreensão das suas atitudes. É perceber a singularidade de cada um, tornando-nos verdadeiros, reais. Aceitar torna-nos humanos. Muitas vezes é isto que nos falta.
Dar um pouco mais de nós, não ter receio da entrega, exige algum esforço da nossa parte, mas tornámo-nos demasiados racionais e gostar de alguém deixou de ser tão simples como seria suposto.
Lamentavelmente tendemos a rotular tudo e sempre que falamos em solteiros, pensamos inevitavelmente em farra, diversão, liberdade, sentimentos alegres, ou exactamente o oposto, tristeza, solidão, sensação de que falta algo, de se estar incompleto. E não tem que ser nenhuma das duas…Tal como não podemos nem devemos estereotipar as relações...A dinâmica da vida de solteiro é alterada obviamente com o assumir de um relacionamento. Uma relação envolve sempre diversos factores e altera consideravelmente a vida pessoal de cada um de nós, mas também não tem que ser vista como o fim do divertimento, da convivência com os amigos, com ou sem o parceiro por perto. E não é uma questão de género, a maioria dos estereótipos afecta tanto homens como mulheres, e embora os comportamentos possam ser diferentes, as expectativas, os medos, os receios, são os mesmos.
Seja pelas derrotas neste jogo do desamor, ou pelas expectativas criadas, seja pelo príncipe encantado, ou pelo fel que nos alimentou a vida, a verdade é que a racionalização dos sentimentos cria barreiras e erguem-se muros. Criam-se demasiados atalhos para o bem-estar e aprendemos formas que nos protegem, distraem e mantêm-nos felizes dentro de uma redoma de vidro onde há espaço para tudo e para todos menos para correr o risco de amar. E mesmo sem medo de amar, vem o medo de não correr bem, de nos magoarmos novamente, de ter que recomeçar, e esse medo faz-nos recuar. A vida é cheia de incertezas e para lhes fazer frente desenhamos previsões de um futuro em que facilmente nos imaginamos a ter que apanhar todos os nossos cacos do chão e fitacolá-los novamente.
É preciso conviver e aprender a conhecer alguém, entender que é uma construção passo a passo, mas sem manual de instruções ou layout de implementação.
É preciso permitir-nos gostar de alguém, saber dar-nos uma oportunidade. Às vezes estamos só a olhar para o lado errado. Precisamos olhar com outros olhos, ouvir menos a nossa voz e escutar mais o que nos rodeia.
É preciso deixar que alguém nos despenteie o coração...
(Aos meus solteiros (as) que me inspiraram a escrever)