A vida num momento...
Abrira a janela e puxara de um cigarro. Vício esse que não fazia o mínimo de esforço para largar….a noite estava igual a tantas outras. Fria, escura, vazia.
Sofia contemplara tudo à sua volta na expectativa de encontrar algo diferente… a rua estava apenas mais desgastada pelo passar dos anos e as árvores despidas pelo vazio do Outono. Apenas o vento frio lhe cortava o rosto e as mãos.
Miguel, tinha vindo de Oeiras, exausto, como habitualmente…Chegara e atirara-se para o sofá. 3 anos mais velho que Sofia, vivia em Oeiras, ainda com pais e sem grandes pretensões de mudar fosse o que fosse. As únicas casas que alguma vez fora ver, para alugar ou comprar, eram na mesma praceta em que os pais viviam. Sofia lamentava-se constantemente deste seu comportamento que muitas vezes roçava o Peter Pan. Este menino homem que se recusava a deixar de ser filho. Que adorava brincar com os miúdos e era loucamente apaixonado pelas sobrinhas, mas que dizia veemente que nunca iria ser pai. As responsabilidades ficavam-se apenas pelo trabalho. De resto vivia a vida quase de improviso, sem grandes compromissos ou responsabilidades. Durante os primeiros anos de relação Sofia acreditara que era uma questão de idade. A seu tempo Miguel iria crescer. Mas 7 anos depois estava cansada. Cansada das constantes decepções, cansada das desculpas fúteis, dos monólogos intermináveis que fazia. Cansada de ser mãe do filho que ele não lhe queria dar.
Sofia olhava agora para um futuro sem objectivos, sem projectos, sem paixões. E essa parte era assustadora. Essa falta de paixão sufocava-a. Estava certa que mais do que a solidão, mais do que a falta de perspectiva de futuro, era essa falta de paixão que mais temia. Era agora urgente definir esta relação, este namoro que cada vez mais se assemelhava a um castelo de areia, construído à beira mar.
Fora ter com Miguel à sala e dissera-lhe que tinham que conversar. De olhos semicerrados disse-lhe que era tarde para conversas, que poderiam fazê-lo no fim-de-semana quando ele viesse. E apesar de Sofia insistir, Miguel apenas grunhiu e aconchegou-se no sofá…
No dia seguinte, depois de mais uma noite em claro, chegara ao escritório pouco antes das 8h, como era hábito. O seu mau humor matinal, que agora se acentuava, assim o obrigava. Tinha que chegar sempre antes de todos, organizar as minhas pilhas de papéis, beber o café e ter alguns minutos do dia em silêncio. Estava numa fase em que achava que todos exigiam muito mais do que aquilo que poderia dar, o que lhe causava um desgaste enorme, agora patente até no seu mau estar físico.
Por vezes sentia-se como uma dona de casa enlouquecida, que limpa o que está limpo. Mudava as pastas de sítio, tirava papéis de um cesto e punha noutro, e apenas efectivava algumas das coisas mais urgentes e que não podia mesmo deixar de fazer.
Olhou várias vezes para telemóvel e pensou que talvez fosse o acto de maior covardia que iria ter. Não fazia parte da sua forma de estar resolver questões por mensagem, mas estava demasiado magoada para esperar mais um dia que fosse, sabendo ainda, de antemão, que Miguel iria chegar sábado depois do almoço como se nada se passasse.
“Desisto…vou deixar-te ir. Não quero permanecer nesta relação…tentei explicar-lhe, julgo que vezes demais até. Nunca quiseste ouvir-me e agora percebi que nada mais tenho a dizer, a não ser adeus…”
Terminar uma relação de 7 anos por mensagem tinha sido muita imaturidade junta, mas tendo em conta que Miguel tinha sido amiúde, um adolescente com comportamentos inadequados, e a julgar pela resposta – “Tu é que sabes…” não teria sido assim tão má opção.
Nesse mesmo dia telefonara a Carolina e convidara-a para jantar. Apesar de triste e desiludida, invadia-a uma sensação de alívio. Jantar com ela era uma boa opção, até porque Carolina era muito sensata e muito bem-disposta.
Carolina, como qualquer amiga solteira, insistia com Sofia para sair mais, dizia-lhe imensas vezes que era jovem de mais para levar a vida de casa-trabalho-casa que tinha. E nessa noite não foi excepção e nem lhe deu escolha. “Pelo menos um café!!”. Quase arrastada, Sofia acabou por ceder, afinal à sua espera estava apenas uma casa vazia…Carolina conhecia meio mundo e quase à força, apresentara-lhe os seus amigos, sempre acompanhada de uma breve resenha sobre cada um deles. Quando lhe apresentou César, o riso foi conjunto…Carolina olhava um e outro com um ar meio perdido…César tinha sido colega de Sofia na faculdade. Sofia estava corada…nunca entendera muito bem porquê mas César intimidava-a, ao mesmo tempo que a fascinava. Alto, muito moreno, com uns olhos verdes lindíssimos. A idade não passara por ele… Acompanhada de algumas caipirinhas, a conversa fluiu…e a noite também…Carolina deixara-os sozinhos e César não hesitou a convidá-la para saírem dali também…
Seguira-o com o coração em sobressalto, sabia exactamente o que iria acontecer, sentira-o no seu olhar, mas o aperto no peito era enorme. Assolavam-lhe dúvidas e sentia que estava a trair o Miguel…além disso sabia bem quem era César e era tudo o que não queria num homem, mas naquele momento não queria pensar em nada. Cansada de ser ponderada e recta em todos os seus actos, decidira que arrependimento ficaria para mais tarde. E ficou…
Entraram naquilo que lhe parecia um parque de um hotel…mas os seus olhos estavam tão vidrados no carro dele que nem se apercebera que percurso fizera. Não o perdera de vista nem um segundo. Estacionara o carro ao lado do dele. Por momentos gelou. Ficou imóvel. César abrira a porta e colocando as mãos no seu rosto beijara-a, de forma tão apaixonada e sequiosa que soubera imediatamente que não voltaria atrás. Era como se os seus corpos se conhecessem melhor do que alguma vez eles se iriam conhecer...
Sofia fechara os olhos e enroscara-se nos seus braços. Percorrera o seu corpo com os dedos, como se o desenhasse. Soubera naquele instante que não voltaria a vê-lo.
Fizera a viagem de regresso com a cabeça a fervilhar. Quando olhara para o telemóvel tinha várias mensagens…nenhuma do Miguel, apenas da Carolina que ficara preocupada…
Os dias foram correndo e César demonstrava-se cada vez obsessivo e controlador. Os telefonemas e as mensagens eram uma constante…felizmente não chegara a dizer-lhe ao certo onde vivia, caso contrário correria agora o risco de lhe aparecer à porta. Sofia já tinha sido bem clara que o que acontecera não se voltaria a repetir. Não queria qualquer tipo de relação naquele momento. Precisava de acertar ideias, “alinhar os chakras” como dizia a sua amiga Ana, não havendo espaço para relacionamentos. Pensava inúmeras vezes, malditas caipirinhas!! Como se o desvaneio dessa noite fosse apenas álcool…
Numa manhã de sábado o desespero tomara conta de Sofia. Nas mãos o resultado de um exame… um acto de loucura e uma noite de exageros resultaram numa gravidez há muito desejada… O sonho de uma vida, o seu mais profundo desejo, chegava agora sem pré-aviso, da forma mais inesperada possível e no pior momento. Ficara sem chão…era um presente envenenado…E toda a sua vida se resumia àquele momento...