Treason & Trust
Traição. Assunto delicado. Difícil. De que pouco se fala abertamente. E não se trata apenas da traição no seu sentido mais universal, a infidelidade. A traição afecta qualquer tipo de relação, conjugal, social, familiar, profissional. Afinal não traímos apenas o nosso parceiro, traímos amigos, colegas de trabalho. A família. Traímos das mais diversas formas, até a nós próprios e muitas vezes nem temos consciência disso. Traímos quando fingimos que está tudo bem, traímos quando deixamos de ser nós próprios, traímos quando negligenciamos a nossa vontade em prol dos outros, traímos quando deixamos os outros ditarem as regras, traímos quando mentimos, traímos quando ocultamos. E esquecemo-nos que a traição não é apenas uma falha, um lapso, é uma escolha, uma opção entre tantas que nos são colocadas diariamente.
E traímos pelas mais diversas razões, falta de atenção, por medo, por desespero, por insatisfação, pela necessidade de liberdade, pelo poder. Mas acima de tudo traímos pelo egoísmo puro de quem tem o mundo nas mãos. Um dos maiores desafios que se coloca às relações humanas, sejam de que natureza for, continua a ser a capacidade de cada um se colocar no lugar do outro. Muitas vezes se procurássemos entender o que sentiríamos se fosse o outro a ter determinada atitude para connosco, provavelmente pensaríamos duas vezes antes de actuarmos. Certo é que existem pessoas que traem dignas de um Óscar da Academia, e nestas a preocupação são apenas as desculpas e as mentiras que irão criar, muito mais do que o acto em si de trair. Outras nem sempre dão conta de que estão a trair e até a iludir-se a si próprias.
A traição implica sempre desrespeitar quem traímos. Esquecemo-nos que não é falta de amor, amizade, carinho pelo outro, é falta de respeito. É ferir, seja de que forma for, quem acreditou em nós. É golpear o que de mais nobre há numa relação, a confiança. A traição, revestida de que forma for, deixa marcas indeléveis. A dor é intensa, avassaladora, e porquê? Se pensarmos bem, nunca somos traímos por um estranho. A traição vem de quem amamos, de quem demos acesso aos nossos sentimentos. E nunca é positiva. Desenganem-se os que acreditam que é possível perdoar e voltar ao que se tinha antes de a quebra de confiança ter invadido o seu espaço. Tentar recuperar é perda de tempo, apenas desgasta e causa ainda mais sofrimento. É preciso ultrapassar, criar novas bases de entendimento. Os relacionamentos que conseguem superar seguem um novo rumo. Induzem-se recomeços, fortalecem-se laços, abrem-se novas vias de comunicação. Mas daí a dizer que é positiva, é o mesmo que dizer que alguém que passou por uma qualquer doença maligna e recuperou, foi positivo. Obviamente que superar com sucesso é óptimo, mas só quem passa é que sabe o sofrimento envolvido em todo o processo de tratamentos.
Por vezes a traição é apenas emocional, mas a incerteza que causa, a dúvida que alimenta, pode abalar a confiança a um ponto sem retorno. Quando nos mentem nunca sabemos quanto tempo levaremos para voltar a acreditar. Ainda que por vezes dilacere, há nobreza na verdade. Carrega integridade, paz de espírito. Com a mentira algo dentro de nós desfalece, e dar uma segunda oportunidade a quem nos traiu é um trabalho árduo e doloroso. É um processo intenso e a tempo inteiro. Todos somos capazes de superar, apesar de todos os espinhos que uma confiança traída pode trazer. E não passa apenas por um pedido de desculpas, por mais sincero que seja. Nunca é suficiente. Afinal palavras leva-as o vento. Mas se acompanhado de uma mudança de comportamento em prol da relação afectada, se existem atitudes, talvez seja possível renovar a confiança. A pouco e pouco a segurança pode reinstalar-se, o medo dar tréguas e todos os receios, desconfianças, e sentimentos de mágoa vão dando lugar à serenidade. É preciso entender que é também uma oportunidade para crescermos como pessoas e aprendermos a rodear-nos de quem nos faz bem e não como uma oportunidade para desconfiarmos de todos.
E é preciso entender o que é a confiança. Não é algo de posse. É uma ponte, uma ligação construída na base da sinceridade, na lealdade, na transparência. “Confiança é um cheque assinado em branco”…Não conseguiria definir melhor… porque confiar é dar-nos capacidade de prever o comportamento do outro. Confiar é acreditar nas intenções. Confiar exprime a profundidade e a complexidade das relações humanas. Confiar não é uma escolha, porque a confiança sente-se, vem da intimidade, da partilha. Mostrar que somos dignos dessa confiança sim, é uma opção.
Mas se a confiança se conquista e se constrói desta forma, também não pode ser totalmente destruída à primeira prova. Afinal a confiança é assim tão frágil? É de vidro? Por não ser de cristal por vezes pode ser reconstruida. Mas também não é estática, tem que ser reforçada, exigindo esforço e vontade para mantê-la. O problema é que uma mentira, uma traição, normalmente chega-nos de uma forma demasiado brusca, agressiva. A mentira constitui sempre uma ameaça à segurança. Tira-nos o chão, atira-nos ao tapete, agoniza o nosso dia-a-dia e passamos a ser consumidos pelos “ses”. Depois da primeira onda de mágoa que chega tal um tsunami, a dor vai-se espalhando, aliviando o peso. Mas o orgulho ferido, a decepção, a raiva, o medo, a tristeza, e até mesmo a culpa, aniquilam a auto-estima, e a descrença no futuro e nas pessoas instala-se. Caminhamos sobre um trapézio sem rede.
Infelizmente hoje vivemos num mundo onde se perdem cada vez mais valores éticos, princípios morais, respeito pelo próximo e adquirir confiança é difícil. O egocentrismo do ser humano é evidente, mas não nos podemos entregar ao medo. Hoje confiar pode ser uma roleta russa, mas continua a ser uma das grandes bases das relações humanas. Este pilar, tão fundamental, quando abalado coloca em causa muitas verdades fazendo-nos questionar até as experiências que tínhamos até então como as mais sinceras. Por isso a quebra de confiança pede luto antes de seguir em frente. Pede entendimento. E pede coragem.
É importante persistir e acreditar que somos capazes de converter medos em forças, dúvidas em desafios.
Não podemos assumir a responsabilidade pelas atitudes dos outros nem podemos julgar todos da mesma forma. Não podemos pensar que somos perfeição. Em algum momento todos erramos. Em algum momento todos falhamos. Somos seres maravilhosamente imperfeitos…